No Público de hoje:
Imigrantes ilegais podem vir a ser regularizados por "razões pessoais ou profissionais"
08.08.2007, Ricardo Dias Felner
O texto ainda não está fechado, mas a proposta de regulamentação da nova lei da imigração, que está neste momento em cima da mesa - e a que o PÚBLICO teve acesso -, não coloca qualquer entrave a que imigrantes ilegais, já estabelecidos em Portugal, e com um contrato de trabalho, possam vir a ser regularizados. Há, contudo, uma ressalva: fica ao critério do director do SEF definir quem tem ou não direito a este procedimento excepcional.
No artigo 54 lê-se que o pedido de legalização é apreciado tendo em conta a "excepcionalidade" da situação, designadamente: por "motivos de força maior; ou por razões pessoais ou profissionais atendíveis". Esta questão foi uma das mais discutidas no Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração (Cocai), reunido ontem precisamente para discutir o documento, e onde esteve presente o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, e o seu secretário de Estado, José Magalhães. (...)
O próprio ministro Rui Pereira, que fez a exposição inicial do diploma, haveria de admitir a necessidade de se concretizarem os termos da lei (fabricada pelo seu antecessor, António Costa), afirmando não querer ter o poder do livre-arbítrio.
No Decreto-Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril - o que será revogado com a entrada em vigor da Regulamentação em discussão:
Artigo 29.º
Prorrogação de permanência
1 - A prorrogação da permanência, nos termos do n.º 1 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, poderá ter lugar se se mantiverem os motivos que fundamentaram a admissão do cidadão estrangeiro em território nacional.
2 - Em caso de ocorrência de facto novo posterior à entrada regular em território nacional, pode ter lugar, a título excepcional, a prorrogação da permanência, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, devendo o pedido ser acompanhado dos documentos previstos no artigo anterior, bem como dos comprovativos exigíveis para a finalidade a que o pedido de prorrogação se reporta e comprovativo da situação de permanência regular.
3 - O pedido referido no número anterior é apreciado tendo em conta:
a) Razões humanitárias;
b) Motivos de força maior;
c) Razões pessoais ou profissionais atendíveis.
4 - (...).
A principal diferença entre os conceitos são as seguintes:
O do anterior regime aplicava-se a várias prorrogações de vistos, inclusive os de trabalho, ou seja, às autorizações de residência para efeitos de trabalho da nova lei;
No anterior regime apenas numa pequena percentagem terá tido resposta positiva do SEF.
Na verdade, o dispositivo é praticamente idêntico ao referido na notícia como constando da nova Regulamentação: criam-se várias torneiras, mas quem tem o poder de abri-las e fechá-las é o SEF, sem critérios predefinidos, sem balizas objectivas, sem nenhum limite a não ser a sua arbitrariedade, que pode pender para o lado dos imigrantes, mas pode também não pender.
Na anterior lei, regulamentação e, essencial para aqui, a prática administrativa, não era nem cogitável pensar numa regularização para a generalidade das pessoas, decorrente destes tipos de conceitos.
É o que este Governo quer para a imigração, mediante a prática da sua administração, que será testado, como num exame, no caso de a previsão dos artigos manter conceitos abstractos e só interpretáveis caso a caso.
Na prática, o imigrante está absolutamente à mercê da interpretação do SEF, sendo que a lei vira as costas a uma regulação objectiva destes critérios.
E isso é mau para o imigrante, que não só fica nas mãos da providência do SEF, como inclusive, na generalidade dos casos, não tem direito a ter efeito suspensivo no recurso para os Tribunais Administrativos de uma decisão de tal órgão policial e administrativo.
Acresce que é mau para os próprios funcionários do SEF, numa altura em que já ocorreram alguns casos menos claros nestes serviços. Ou seja, os funcionários são confrontados com regras pouco claras, ficam sem critérios para dar os seus pareceres, ficando à mercê de incitações e convites à ajudinha administrativa e até coisas piores.
Concluindo, nada de bom se prevê com normativos onde a lei se omite do seu dever de regular e onde o poder discricionário ultrapassa todos os limites que permitiriam o controlo da administração pública.
E, no caso de haver interpretações internas, através de ofícios circulares ou instrumentos desta natureza, é absolutamente imperioso que se dê conhecimento dos mesmos aos cidadãos, ainda que tenham natureza meramente informativa e não vinculem os particulares, para que a generalidade dos imigrantes conheçam a prática administrativa.
Para que o cidadão comum entenda, este tipo de leis seria o equivalente (mas muito mais grave por se tratar dos projectos de vida de milhares de pessoas) ao apresentar a sua declaração de Imposto de Rendimento e o Estado poder aplicar critérios unicamente subjectivos para determinar o valor a pagar.
E tu que estás a ler, olha, parece-me que excepcionalmente, hoje, não tens razões atendíveis, nem pessoais, nem profissionais, nem motivos de força maior, para te safares da aplicação da taxa de 70% sobre o rendimento do teu último ano.
Isto é que são conceitos indeterminados.
É preciso criar mecanismos claros que incentivem a transparência e que protejam e regularizem os que vivem, trabalham e contribuem para o país de acolhimento.
Porém, no caso da técnica dos critérios abstractos permanecer, o que não seria bom, esta deve proteger os imigrantes, reconhecendo o seu valor, e as decisões devem ser uniformizadas, sendo divulgada publicamente a interpretação administrativa dos conceitos, em favor da transparência.
1 comentário:
Aparentemente fica à vontade de um funcionário autorizar ou não a legalização de quem quer que seja.
Se eu fosse director do SEF dimitia-me no dia em que esta Lei entrasse em vigor.
E isto por várias razões pois vão cair-lhe em cima milhares de processos e de pressões para regularizar as dezenas de milhares de ilegais que estão em portugal.
Por mais honesto que seja vai ter de confiar na opinião de outros e, no fim, não se safa de alguns fumos de corrupção.
O processo é totalmente absurdo!
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