Comunicado da CNJP sobre a DIRECTIVA SOBRE REGRESSO DE IMIGRANTES ILEGAIS
A aprovação da Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao regresso de imigrantes em situação ilegal suscita o alerta e protesto da Comissão Nacional Justiça e Paz, que se une à voz de outros organismos católicos e de outras denominações cristãs, bem como de associações de defesa dos direitos dos imigrantes de vários países europeus.
Entendemos que a identidade e cultura europeias se têm enriquecido ao longo da História com os contactos e o diálogo com povos de todo o mundo. Esta abertura pode, mesmo, considerar-se uma marca da identidade e cultura europeias.
Reconhecemos também que, no contexto actual, a imigração representa um recurso económico que responde a carências decorrentes da crise demográfica na Europa.
A imigração deve, pois, ser encarada mais como uma oportunidade do que como uma ameaça.
A União Europeia pretende afirmar-se como referência na protecção dos direitos fundamentais da pessoa humana e reclama dos Estados que a ela se candidatam patamares exigentes no que a essa protecção diz respeito. O necessário controlo legal dos fluxos migratórios, que não queremos pôr em causa, não deve fazer-se, pois, com sacrifício desses direitos básicos, consagrados na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nas Constituições dos Estados membros.
À luz destes princípios, não podemos deixar de apontar como negativos e inaceitáveis os seguintes aspectos do regime da Directiva agora aprovada.
A possibilidade de detenção de imigrantes ilegais por um período que pode chegar aos dezoito meses representa um desproporcional e discriminatório atentado ao direito à liberdade. Desproporcional, porque não está em causa uma conduta que, pela sua danosidade social ou perigosidade, possa ser equiparada a um crime. A esmagadora maioria dos imigrantes ilegais desempenha actividades laborais que satisfazem necessidades económicas e sociais dos países de acolhimento e, em muitos casos, a entrada ilegal de imigrantes não tem impedido a sua posterior legalização. Não pode ignorar-se, também que, com frequência, os imigrantes ilegais, não só não representam um perigo social, como são verdadeiras vítimas de redes de imigração ilegal, quando não até vítimas de tráfico de pessoas. Trata-se de um atentado à liberdade discriminatório porque não seria certamente aceitável uma tão severa restrição da liberdade (superior, em duração, até à que corresponde a crimes já com alguma gravidade) no que aos nacionais diz respeito.
Por maioria de razão, afigura-se inaceitável a possibilidade de detenção de crianças, que a Directiva prevê, ainda que «como último recurso» e rodeada de particulares cautelas.
É igualmente inaceitável (fora dos casos de prática de crimes ou perigos para a segurança pública e a segurança nacional) a interdição de readmissão na União Europeia de quem antes tenha entrado ilegalmente, por período que pode ir até cinco anos. Esta sanção é, também, desproporcional e, por outro lado, contraproducente na perspectiva do combate à ilegalidade. Há, com frequência, casos em que o regresso ao país de origem se torna particularmente penoso e perigoso para a pessoa em causa, que pode, até, ver em risco a sua sobrevivência. Impedir a sua readmissão pela via legal pode, assim, contribuir para que a ilegalidade se mantenha e tornar o imigrante em situação irregular uma “presa” fácil de redes (estas, sim, ilegais a merecer um enérgico combate) de auxílio à imigração ilegal ou tráfico de pessoas.
Não se ignora que a Directiva não impede que as legislações nacionais consagrem regimes mais favoráveis, como sucede, nalguns aspectos, com a legislação portuguesa. Mas é de lamentar que, ao contrário do que tem sucedido noutros domínios, como o da protecção da saúde pública ou do consumidor, em que o direito europeu se guia pelos parâmetros de maior exigência de entre os vários direitos nacionais (e representa, pois, um progresso em relação a estes), neste domínio, a unificação legislativa tome como parâmetro de referência as legislações menos exigentes no que diz respeito à protecção de direitos fundamentais.
No contexto actual de mais uma grave crise de confiança no ideal da unidade europeia, importaria reforçar a afirmação dos valores em que assenta esse ideal, entre os quais assume relevo primordial o do respeito pela dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. Lamentamos ter que reconhecer que a aprovação das normas mencionadas não contribui para a afirmação desses valores e contradiz o espírito do Tratado de Lisboa que reconhece aos direitos, liberdades e princípios constantes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia o mesmo valor jurídico dos Tratados.
Nota: Comunicado decidido na reunião Plenária da Comissão Nacional Justiça e Paz realizada a 18 de Junho 2008
A aprovação da Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao regresso de imigrantes em situação ilegal suscita o alerta e protesto da Comissão Nacional Justiça e Paz, que se une à voz de outros organismos católicos e de outras denominações cristãs, bem como de associações de defesa dos direitos dos imigrantes de vários países europeus.
Entendemos que a identidade e cultura europeias se têm enriquecido ao longo da História com os contactos e o diálogo com povos de todo o mundo. Esta abertura pode, mesmo, considerar-se uma marca da identidade e cultura europeias.
Reconhecemos também que, no contexto actual, a imigração representa um recurso económico que responde a carências decorrentes da crise demográfica na Europa.
A imigração deve, pois, ser encarada mais como uma oportunidade do que como uma ameaça.
A União Europeia pretende afirmar-se como referência na protecção dos direitos fundamentais da pessoa humana e reclama dos Estados que a ela se candidatam patamares exigentes no que a essa protecção diz respeito. O necessário controlo legal dos fluxos migratórios, que não queremos pôr em causa, não deve fazer-se, pois, com sacrifício desses direitos básicos, consagrados na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nas Constituições dos Estados membros.
À luz destes princípios, não podemos deixar de apontar como negativos e inaceitáveis os seguintes aspectos do regime da Directiva agora aprovada.
A possibilidade de detenção de imigrantes ilegais por um período que pode chegar aos dezoito meses representa um desproporcional e discriminatório atentado ao direito à liberdade. Desproporcional, porque não está em causa uma conduta que, pela sua danosidade social ou perigosidade, possa ser equiparada a um crime. A esmagadora maioria dos imigrantes ilegais desempenha actividades laborais que satisfazem necessidades económicas e sociais dos países de acolhimento e, em muitos casos, a entrada ilegal de imigrantes não tem impedido a sua posterior legalização. Não pode ignorar-se, também que, com frequência, os imigrantes ilegais, não só não representam um perigo social, como são verdadeiras vítimas de redes de imigração ilegal, quando não até vítimas de tráfico de pessoas. Trata-se de um atentado à liberdade discriminatório porque não seria certamente aceitável uma tão severa restrição da liberdade (superior, em duração, até à que corresponde a crimes já com alguma gravidade) no que aos nacionais diz respeito.
Por maioria de razão, afigura-se inaceitável a possibilidade de detenção de crianças, que a Directiva prevê, ainda que «como último recurso» e rodeada de particulares cautelas.
É igualmente inaceitável (fora dos casos de prática de crimes ou perigos para a segurança pública e a segurança nacional) a interdição de readmissão na União Europeia de quem antes tenha entrado ilegalmente, por período que pode ir até cinco anos. Esta sanção é, também, desproporcional e, por outro lado, contraproducente na perspectiva do combate à ilegalidade. Há, com frequência, casos em que o regresso ao país de origem se torna particularmente penoso e perigoso para a pessoa em causa, que pode, até, ver em risco a sua sobrevivência. Impedir a sua readmissão pela via legal pode, assim, contribuir para que a ilegalidade se mantenha e tornar o imigrante em situação irregular uma “presa” fácil de redes (estas, sim, ilegais a merecer um enérgico combate) de auxílio à imigração ilegal ou tráfico de pessoas.
Não se ignora que a Directiva não impede que as legislações nacionais consagrem regimes mais favoráveis, como sucede, nalguns aspectos, com a legislação portuguesa. Mas é de lamentar que, ao contrário do que tem sucedido noutros domínios, como o da protecção da saúde pública ou do consumidor, em que o direito europeu se guia pelos parâmetros de maior exigência de entre os vários direitos nacionais (e representa, pois, um progresso em relação a estes), neste domínio, a unificação legislativa tome como parâmetro de referência as legislações menos exigentes no que diz respeito à protecção de direitos fundamentais.
No contexto actual de mais uma grave crise de confiança no ideal da unidade europeia, importaria reforçar a afirmação dos valores em que assenta esse ideal, entre os quais assume relevo primordial o do respeito pela dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. Lamentamos ter que reconhecer que a aprovação das normas mencionadas não contribui para a afirmação desses valores e contradiz o espírito do Tratado de Lisboa que reconhece aos direitos, liberdades e princípios constantes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia o mesmo valor jurídico dos Tratados.
Nota: Comunicado decidido na reunião Plenária da Comissão Nacional Justiça e Paz realizada a 18 de Junho 2008
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