terça-feira, 8 de agosto de 2006

Os palrantes

Era quieto.
Às vezes, nos seus momentos de quietude, todos pressentiam que cerrava os lábios para ser conciliador.
Era verdade.
Naquele dia de sol, porém, ele já não estava disposto a isto. Não queria mais consenso algum para qualquer assunto. Não queria mais ser desrespeitado, não queria mais fazer favores para receber em troca os pés que o pisavam como recompensa.
Não queria mais ter de fazer tudo e ter como retribuição envelopes onde deveria enfiar as justificações por tudo o que fazia e por todos os tornados que colhia no sopé da montanha de cinzas. Onde haviam colocado as borboletas prometidas?
Acordou de repente e pensou nisso durante a nova caçada.
Discutia-se o motivo pelo qual o vento escapava das redes, a razão para o facto de das cinzas não brotarem flores. Procurava-se uma resposta. Pensava-se numa estratégia. Era a centésima primeira discussão em torno de tão importante tema. Tomavam-se sempre decisões de variadas medidas que não iriam se implementar até ao dia da próxima deliberação e definição de novas estratégias.

"Temos de tomar decisões para implementar as medidas!", "Iremos executá-las com brevidade, mas aguardamos a entrada em funções da Comissão de Implementação, que está a ser constituída", disse um orador inflamado. Todos, ou quase todos, bateram palmas.
Então ele se levantou no meio do discurso inócuo de mais um palrante e tirou a estrela brilhante do seu bolso.
A surpresa foi tripla.
Não sabiam que ele era astronauta.
Não entendiam como ele conseguia voar.
Não conheciam aquela estrela, tão iluminada.
Ele também confessava-se a si mesmo que não tinha ciência para tanto, mas ia empreender à mesma aquela viagem.

2 comentários:

Nanda disse...

Que belo texto...

Nanda disse...

Belo texto...